Friday, October 10, 2014

A uma semana de regresso ao Brasil...

Nove anos depois a certeza do regresso confirma-se. O Brasil foi uma experiência tão intensa que ficou marcado na minha vida para sempre. Não fosse também o facto de ter 2 irmãos baianos, filhos do mesmo pai. Eles ainda não eram um projecto, já eu tinha percebido que os brasileiros e os portugueses têm laços de sangue, a mesma lingua. Após 3 anos em Portugal regressada a casa depois de outros tantos em Inglaterra, chego aos 35 com um reconhecido amor profundo pela minha terra mas com uma mágoa e desilusão que apenas mais uma viagem podem curar. A morte de um pai avô, um casamento sem amor, o desprespeito profissional, o clima pesado e depressivo da situação social e política, o discurso derrotista, a alteração dos valores e moral nacional, para pior claro, só foram salvos por curtos episódios protagonizados por pessoas boas, ainda com muita humanidade dentro de si.
Salva por pessoas e motivada por um emprego de última hora que não aconteceu, regresso ao lugar a que chamei casa-mãe da minha existência. Faz sentido hoje voltar ao sítio onde me liguei com a Vida. Onde a minha existência passou a fazer sentido e a alegria passou a sentimento dominante.

Espero que com isto regresse também a inspiração, para escrever, para perpetuar a aventura alucinante que é esta vida, para partilhar e mostrar que é possível ser feliz de raíz sem artifícios nem malabarismos.

Até já.

:)

Tuesday, January 31, 2006

Voltei à terrinha

Amigos...
voltei há 10 dias do calor abrasador de 30 graus à sombra. Estou em choque térmico, nunca tive tanto frio, nem quando em Londres em pleno Inverno. Nunca gemi tanto de frio, onde quer que fosse. Nunca tinha interrompido uma festa por ter as pernas geladas (1 dia depois de chegar a lisboa) e não conseguir estar em lado nenhum.

Voltei porque o destino assim destinou...
O meu visto acabava dia 15 de Janeiro, Domingo. Deveria ter renovado o dito no dia 13, Sexta-Feira. Mas como sou supersticiosa, não saí de casa nesse dia, e nem me lembrei que deveria ir renovar o visto...

A verdade é que estava eu em Guaibim a curtir uns dias com com os mais recentes amigos portugueses. Por autorecriação (muito comum na minha pessoa) meti na cabeça que o limite era dia 17 de Janeiro. E nesse dia lá estava eu na polícia federal toda contente. Quando sou atendida...pensei que ía presa!! "a senhora está ilegal há dois dias!" Ai meu deus... agora fod++, como diriam os nosso irmãos. Deram-me 8 dias para sair do país e eu, aceitando o facto como se assim já estivesse destinado, fui embora daí a 2 dias. Podia ter ido ao Paraguai sair e voltar...mas já viram a trabalheira? E seria como que dar a volta à quastão... aceitei tudo como tenho vindo a aceitar... deixo-me ir e a corrente leva-me para o local certo... acho... por momentos acreditei que tinha um euromilhões à minha espera... mas ainda nem sequer joguei.

Ñunca mais escrevi nada desde o fim de ano... pois, não é falta de inspiração... foi falta de tempo.
Ainda nada está esquecido e em breve escreverei sobre esses últimos maravilhosos dias no Brasil. Só vos posso adiantar que o ano de 2006 começou melhor que nunca. Isso apesar de ter passado a meia noite sozinha entre milhares de pessoas e a pensar em todos os meus amigos e como gostaria de estar com eles...ou melhor..como gostaria que eles estivessem ali, comigo. Pela segunda hora do primeiro dia de 2006, já estava toda divertida junto de amigos, portugueses, e em festa!! Universo Paralelo... fui e fiquei.

Love all of u

Monday, November 21, 2005

Olhá Falésia!! (Portugal)

NÃO PERCEBO ESTES ESPAÇOS HORRÍVEIS QUE O BLOGGER INSISTE EM DEIXAR!!!!

Olha que praia linda! ok, a água é gelada e a temperatura do ar não tem nada a ver, mas...tem dinossauros!!

Obrigada ao Estrela, autor da foto e amigo que sabe bem o que é estar deste lado.




Report @ Brasil Novembro

O texto aqui já está revisto à pressa. Não se admirem com erros e toques de português do Brasil na pontuação. O word aqui é brasileiro e a rapidez necessária à transcrição dos textos faz com que fiquem iguais ao que escrevi no momento, ou seja, sem grandes alterações, puro e duro, como se pretende. Para vocês, meus amigos e família. Estou a descobrir também que sou uma nostálgica por natureza. Seja em Portugal ou no Brasil terei sempre saudades de alguém..haverá coisa mais portuguesa?

3 Novembro, Barra Grande
Gostava de tornar estes momentos definitivos mas na minha incapacidade de fazer girar o mundo limito-me a tornar definitivas as palavras. Tudo o resto virá conforme rumar a Natureza. Não há nada mais reconfortante do que sentir o que sinto neste momento, sentir que aqui estou por uma razão muito forte, uma energia qualquer que me trouxe até aqui. As vezes a sensação é de que morri e vim parar a uma espécie de paraíso onde posso ser eu livremente e com toda a serenidade que nunca tinha conhecido antes. Aqui não tenho pressões nem nada que me desvie da minha própria natureza. Não há como negar uma ligação porque no fundo estar livre e ser natural leva-nos ao melhor que há numa relação, a pureza. O instinto e o destino fazem o resto. Confio plenamente no que vier a seguir seja lá o que for... por isso sê livre e sem pressões, segue pelo caminho com liberdade. Só assim se encarará a vida e os seus tropeções com a serenidade necessária para deles retirar o sumo e seguir em frente.

10 Novembro, Arraial da Ajuda
Chegar a Porto Seguro encheu-me os olhos. Cidade bonita, com cor. Depois de 3 semanas na Bahia de Valença chegar aqui é maravilhoso. As lojas e ruas são cuidadas, têm uma aparência de praia europeia..
Partida de Valença às 21h15 sem os meus cds (sem o saber), 8 horas de viagem para Sul.
Primeiro quase acidente: quando um cavalo decide atravessar a estrada sem avisar...
Eram umas 3 da manhã quando o meu sono incomodado num exíguo lugar de autocarro é interrompido por algo que me pareceu naquele instante, louça a partir-se (que raio estava a sonhar?). Naqueles segundos de susto e confusão a única certeza era de que algo estranho tinha acontecido. Seria uma pedra que teria partido o vidro da frente? O lugar do motorista e o da frente é tapado aos passageiros, por isso, por detrás das cortinas não se via o que tinha passado. O sono tira-nos a capacidade de raciocínio. Alguém se lembra de abrir a porta que nos levava ao motorista. Bastante perturbado, explica-nos que na curva se tinha deparado com um camião ainda maior a cortar a sua trajectória. O desvio brusco do choque frontal fez com que o espelho lateral se partisse para dentro da camioneta ferindo o condutor na testa... um pouco mais à frente, o Alves (lembro-me de ter olhado e fixado o nome do nosso condutor, preso no peito) encosta o veiculo e eu ofereço-lhe um tratamento com betadine...foi mais um motivo para arejar um pouco, relaxar daquele momento. Sosseguei-o com a superficialidade do corte, mas perante a possibilidade de um perigo maior ninguém fica imediatamente calmo...pergunto-lhe se está bem para continuar a conduzir-nos. Lembro-me de todos os sustos que já senti quando ao volante...lembro-me das pernas tremerem sem parar. Voltamos para dentro da camioneta e partimos. Sento-me no meu lugar, logo no primeiro do lado direito, e sinto um arrepio. Por um questão de segundos ou centímetros, a vida por um fio...senti uma espécie de aviso, como se na verdade o pior não era suposto acontecer, mas que existe e é iminente. Fecho os olhos, suspiro. Passou-se alguma coisa no tempo ou no universo naquele instante em que me pareceu louça a partir-se. Um lapso de consciência mas despertado por aquele som. Fico uma hora, sem sono, a pensar no que tinha acontecido e lembro-me também de termos mudado de lugar da ultima fila para a primeira. Estamos agora a uns 3 kms de Porto Seguro. Seguimos por uma longa recta, o sol indica-me a localização do mar e vamos em sua direcção. Assumo uma atitude de consciência, despertando do meu sono desconfortável, olhando pelas janelas ora para um lado, ora para outro. Olho para a estrada e reparo nos cumprimentos entre o Alves e os colegas que passam em sentido contrário. Vêem 3 camionetas de seguida. Passa a primeira, passa a segunda e uns metros mais atrás, vem a terceira. Esta, um pouco antes de se cruzar connosco encosta-se à linha do meio e, pela segunda vez, o espelho lateral, já sem espelho, vai contra o motorista. Desta vez já não havia nada para partir...apenas a indignação pela repetição, agora numa recta, pela manhã.

À chegada a Porto Seguro agradeço ao Alves por nos ter salvo a vida sem nos termos apercebido.

11 Novembro, Arraial d´ ajuda
Na festa do Magnólia, discoteca mesmo ao lado da pousada Mucugê Village onde me encontro, a minha reação às coincidências começa a ser mais controlada...em duas festas de Barra Grande reparei num personagem, não sei porquê. Não era bonito nem feio, não se vestia de uma forma estranha ao ponto de olhar, não sei. Comentei que era uma pessoa que me causava uma sensação estranha...hoje percebi porquê. Em Arraial da Ajuda encontro a mesma figura no Magnólia. Dirijo-me a ele e confirmo se era ele que estava em Barra Grande na semana passada. Não me lembro do nome dele ( eu e os nomes..) mas fixei que era do Rio de Janeiro.

16 Novembro, BG
Em arraial surgiu a minha segunda oportunidade de trabalho. Sinto-me dividida entre Barra Grande e esta cidade do Brasil onde tudo começou. De Arraial para o Morro de São Paulo, depois para Itacaré e agora Barra grande. Dizem-me que foi este o percurso do turista nos ultimos 10, 15 anos. Arraial, cidade bonita em que o trance serve de motivo para o consumo. As lojas, os restaurantes e tudo o resto gira em torno do espírito psicadélico, herança hippie, ao ponto de o tornar num objecto comercial por excelência. Em Arraial não senti nada. Em Arraial o povo é cosmopolita: italianos que vêm por 6 meses, franceses de férias em busca de um sonho, burguesia brasileira querendo uma praia para caminhar. As praias de Arraial, que conheci apenas até à Pitinga, não me surpreenderam. Praias de falésias...não são mais bonitas que as da minha Areia Branca, Portugal. Impressionou-me a cor da água, verde ou azul marinha de uma transparência tropical. Mas faltou uma energia, uma vibração, uma ligação, como senti em Barra Grande. O problema de se conhecer locais mágicos e lindos é que todos os outros parecerão menores...em 4 dias apenas Arraial é consumo. Depois de 15 dias na Bahia pura e dura, chegar lá e a Porto Seguro é como visitar uma Europa à Beira Mar com a diferença de que aqui o clima é sempre quente. Dando um exemplo, o ir a um supermercado fez-me viajar até Portugal a um hiper qualquer: variedade de produtos e o cuidado extremo com a aparência e disposição da loja – sinais do tão famoso marketing brasileiro – nas cestas de fruta, um exemplar de cada cortado ao meio e devidamente plastificado para se ver o fruto na totalidade. A cidade de Porto Seguro é agradável. Arraial recebe tudo isso mas ainda é mais virada para o turista internacional. Curiosamente, no meio de tantas pizzarias, spagheterias, creperias, e até um de cozinha portuguesa, não há um único restaurante especializado na cozinha tradicional baiana. Nesta cidade cosmopolita conheci a pousada de um amigo do meu pai. Ele aqui ficará para montar um restaurante de bacalhau e moquecas. Aí me ofereceram trabalho na recepção. Fico com apenas 3 dias para pensar. Volto para Barra Grande. Aqui vivo a dúvida: ficar onde me sinto muito bem, trabalhar num restaurante e ganhar bom dinheiro ou ir para Arraial, cidade loucura onde não senti nada, mas em busca do inicio de algo no turismo, mais interessante? Pode parecer fácil de resolver, mas não. Após partilhar o meu dilema com a minha amiga, a minha confidente cuja vivência e espírito maternal me dá alguma segurança e permite retirar alguma aprendizagem, a realidade vem ao de cima. Aquela realidade que eu não queria que me fosse determinante, o trabalho e o futuro. Decido ir para Arraial. Saio de Barra uma pessoa diferente e quem sabe se Arraial é um sitio mais difícil de encontrar, mas também está lá? Talvez 4 dias naquele frenesim não tenham sido suficientes. Porquê parar por aqui, Barra Grande, a cidade que vira fantasma depois do Verão, quando o caminho se prevê longo? Se custa ir embora? Custa. Como se me estivessem a arrancar as raízes recentes e fortes criadas. Fiquei a saber que as pessoas daqui me compreendem muito bem, sabem bem o que sinto. Foi por essa razão que aqui ficaram. Voltarei eu aqui para me estabelecer ou garantir um cantinho? Quem sabe... e assim fico mais uns dias em Barra para reflectir, para me preparar para uma etapa nova: trabalho das 15 às 23 para ser simpática e prestável com os hospedes da pousada, por um salário muito baixo.

18 Novembro, Península de Maraú
Hoje acordei cheia de energia. Uma força interior que me levou até ao passeio habitual pela praia fora. Da água calma do rio até ao agitado mas para lá da ponta do Mutá. Andei até à praia dos 3 Coqueiros (são muito mais, na verdade..). lá tomei banho na piscina natural que se forma mesmo antes da zona de ondas revoltosas onde também gosto de tomar banho para me lembrar das ondas da Areia Branca. Aqui os contrastes se encontram...do mar calmo, piscina natural às ondas e mar agitado, ansioso por chegar à areia quente.
Dos 3 coqueiros sigo para outra praia de coral, Mombaça. Aí tomo banho no pico já conhecido, perto de um dos picos dos surfistas que hoje não estavam lá. A energia que me move, o sentir-me bem, faz-me continuar. São apenas mais 6 kms até Taipú de Fora. Amanhã devo ir-me embora. Algo estranho me atraía a Taipú. Percebo que estas atracções e magnetismos já não são assim tão estranhas..aliás, já soam a algo familiar e a confiança nelas faz-me ir, segura e feliz. Vou caminhando...hoje não me dói a planta dos pés como ontem, massacrada pela areia grossa. A sensação é a de pisar alfinetes. A energia que me move vai aumentando e a certeza de que estes cheiros, este calor e estes coqueiros me conhecem e reconhecem como se eu pertencesse aqui, desde sempre. Mais tarde percebo que não foi Taipú que me atraiu, mas sim todas estas praias desertas. Os coqueiros, altíssimos, ligeiramente inclinados para a praia, mas com as folhas compridas esvoaçando para terra, parecem sorrir e cumprimentar-me. Não é difícil olhar e, na embriaguez do calor e da beleza, ver no alto dos coqueiros silhuetas de rostos femininos, como sereias, sendo os cabelos as longas folhas caídas. Tento imaginar que estou aqui mas há muito tempo atrás e consigo sentir-me como um nativo. Sem pousadas, sem gente a passar de vez em quando de bicicleta. Sem ninguém. Apenas os pássaros, os peixes e eu.

A noite de lua cheia foi anteontem. Nesse dia a energia estava dispersa, os sentimentos meio pedidos e baralhados. Cheguei a sentir uma ligeira angústia. O convite para meditar pareceu-me ideal. E dou por mim numa dança para captar energias com 6 mulheres e a lua cheia. Senti uma libertação incrível. Por duas vezes o meu lado mais céptico me interrompeu. Perda de tempo? Ou para passar o tempo? Não há perda de tempo porque aqui o tempo não existe (normalmente não sei que dia é). Passar o tempo também não porque aqui tudo se vive com plena intensidade. Noutra altura talvez me sentisse ridícula, e isso passaria a quem me rodeava. Mas não. Existe energia, para Sul. No final, num terraço com vista para as estrelas, tudo se confirma. Olho para o céu numa de contemplação e vejo um circulo enorme formado pelas nuvens. No centro estamos nós e faz-me lembrar a espiral de trocas de energias da terra para a lua. Fenómeno com explicação cientifica ou não, isso não interessa para nada, porque aqui tudo é mágico e é bom que assim seja. Nessa noite sonhei muito, acordei estranhíssima, sonhei com os meus fantasmas outra vez. Alguma coisa se mexeu dentro de mim. A energia foi crescendo e hoje algumas coisas ficaram mais claras pelas praias de Barra Grande. Um pouco antes de chegar a Taipú encontro-me sozinha numa piscina natural linda. Apetece-me tirar a pouca roupa que tenho, mas só tiro metade e nado livremente e ainda me sinto mais primitiva. Neste país de calor e pouca roupa, ainda é um escândalo fazer topless... paradoxos de um país que é conservador e libertador ao mesmo tempo...a minha ansiedade natural faz-me continuar a caminhar, abandonar aquele sitio lindo. Chego a Taipú e logo percebo que não era para Taipú. Era no caminho para. No inicio deste meu passeio, depois de acordar de uma noite diferente, sentia-me dispersa, achava que precisava de alguém para me ajudar a definir o meu sonho, e a chegar a ele. Chego da caminhada com um sonho – Barra Grande – e sem ninguém para o confirmar ou partilhar. O erro de querer encontrar a vida de alguém para mim. Se já encontrei a minha terra gemea, naturalmente encontrarei a minha alma gemea. Surgirá não pelas minhas mãos, mas aos meus olhos, ali, sem poder fazer nada. Será este o ultimo pôr do sol para já? Não sei...tudo o que envolva sair daqui nunca me parece muito óbvio. Era mais fácil explicar dizendo estar apaixonada por alguém e por isso querer ficar. Mas não, é muito superior a isso. É a terra, a areia, os pássaros, a inspiração de vida. Parto, mas a certeza do regresso me confunde. O meu mar de tranqüilidade, sem qualquer artifício, só eu, o mar, o calor, os coqueiros e os pássaros. Que bom.

O regresso do passeio é especial porque ao virar da Ponta do Mutá tudo se transforma. O som contínuo do mar começa a desvanecer, vai ficando para trás um pequeno murmúrio até desaparecer para uma visão de pôr do sol com muita água calma e tranqüila.



19 Novembro
BG
Tudo o que tenho escrito tem sido como um renascer. Sinto-me como se tivesse começado do zero. Nada me prende, aqui sou toda eu. Tudo o que me rodeia e acontece é emanação minha. Voltou a minha inspiração perdida. Mas desta vez a fonte é uma sensação de êxtase com a vida e não uma angustia existencial. Para ter inspiração é preciso viver e não apenas sobreviver à custa de um ciclo vicioso que cria necessidades e angústias. O mundo que nos acolhe lá fora é o mesmo que nos tira o ar para respirar.
Fez um mês que cheguei. Sinto-me feliz e sortuda. Há quanto tempo? Ou será que alguma vez?
“A vida não pode ser apenas contemplação”. Porquê? Ela é tão importante. Se nos der as respostas para uma existência que não encontramos no mundo que nos é imposto e impingido pela televisão...é libertador. É como tomar a blue pill (Matrix), ser consciente, marginal ou rebelde, mas consciente. O dilema do dolce fare niente...não é bem fazer nada... o trabalho é de fundo, sobre o ser, a pessoa. A auto-estima e o bem estar em construção para uma existência mais feliz, imaterial. É uma fase de descoberta. Antes descobriam-se terras novas, agora descobre-se a natureza humana. Descubro que posso ser feliz com as coisas mais simples do mundo... não é o carro, a casa, o telefone... perdem-se anos com cursos e outras coisas. Ou talvez sejam também uma fase. Mas há que parar. A certa altura temos que olhar para nós. Não podemos esquecer a verdadeira natureza. Não podemos esquecer de quem somos, não em nome de um produto da sociedade que nem sequer traz felicidade. Ou melhor, trá-la associada ao poder. E aqui não sou eu o poder. O poder aqui é o mundo que me rodeia, a natureza, os pássaros, e os coqueiros. Até as melgas...

Estou perto e longe outra vez. Vou não vou? A frágil linha do equilíbrio..intangível.

20 Novembro, Valença
E decido, na véspera de ir, não ir. E da incerteza, nasce um sorriso. Vou ficar em Barra Grande, como não!!??

Na suposta última noite passada em Barra Grande conheci mais pessoas, até porque Barra vai começando a ficar povoada para o Verão. Na pretensa despedida, brindámos ao meu regresso, em tom de brincadeira. Hoje reconheço que algo em mim me dizia que eu voltaria, apesar de já ter confirmado a minha ida pra Arraial. Só não sabia era que ía desistir daí a menos de 24 horas.

Mantenho o meu lugar numa suite (quarto com wc, não necessariamente de luxo) em casa de Jô. Mantenho um lugar perto da minha recente familia em Barra (quando se está longe, os laços ficam mais fortes..), que inclui um português (!). Talvez trabalhe no seu restaurante de comida portuguesa. Oportunidades de trabalho aqui também há, e com um salário bem melhor do que aquele que ia encontrar em Arraial. Falar Inglês aqui é um trunfo muito grande. Aguardo ansiosamente os livros de francês que a minha mãe me vai enviar para recordar os ensinamentos perdidos...

Já poderei frequentar as aulas de Forró à Quarta-feira...

O que iniciei neste pequeno paraiso vai continuar...não fica interrompido um processo a meio. Quem me leu e percebeu, saberá porque decidi ficar... o meu instinto, aquele mesmo que me trouxe até aqui, foi-me dizendo aos poucos...

Thursday, November 10, 2005

Em Arraial da Ajuda

Hoje estou mais feliz ainda porque percebo que tudo aquilo que tenho sentido atravessou o mar atlântico, ali para Norte e um pouco mais para Este...

A Lua aqui não é mentirosa.

A primeira desgraça...

Pois é...nem tudo pode ser um mar de rosas.

Na terça feira preparei-me meticulosamente para uma viagem até Arraial de Ajuda. Durante uma hora escolhi roupa, cremes, bikinis, incenso, repelente, máquina digital, etc. preparei umas colunas mini para ligar ao meu discman, seleccionei uma série de cd´s (uns 20) para mais uma viagem de tempo indefinido fora de Valença. Na rodoviária sentei-me à espera das 21 horas. Para além disso esperavam-me 8 horas de autocarro para Sul. A minha escolha de 4 cd´s para ir trocando na viagem: os 2 volumes de Private Lounge (chill out, para adormecer) e Belle Chase Hotel. Os restantes iriam seguros na mala de viagem. Isto se tivessem ido... Já devem estar a pensar que tive o meu primeiro encontro com um bandido qualquer... seria o normal... mas não. Eu cometi a proeza de perder a bolsa de 20 cds... Não fui roubada... aliás, eu gentilmente ofereci uns cds a algum valenciano. O problema é que de certeza que a boa música que eu tinha não vai ser devidamente apreciada...

E agora? Agora é que eu vou mesmo precisar de uma alma caridosa que me grave uns cds e envie pelo correio. Claro que o custo dos cds e do envio (que não será assim tão barato, isto é longe como o Brasil!) será por minha conta... Alguém terá paciência ou tempo?

Originais perdidos:
Placebo, Placebo - SNIF, SNIF (com baba e ranho)
Quinteto Tati, Exílio (Como tenho mais um, vejo isso como forma de divulgação...lol...sempre a trabalhar...)
Massive Attack, 100th Window (Xiça!)
Isolée, Hugo Santana - os 2!!, todos da Sonic Culture! (como matar saudades do electro, fiquei sem nenhum!!??)
Um dos últimos da Dance Club com o *** Baajou (nao sei se é assim que se escreve..)
Chill out dos Dining rooms (oferecido pelo meu amigo Kotowicz!!)
Beck - Sea of Changes e mais um
Air - o primeiro álbum...

pelo menos fico com as capas dos cds...argh!!!!

Os restantes não me lembro e acho que até prefiro não me lembrar.

Tuesday, November 01, 2005

Report @ Brasil

Já passaram mais de duas semanas desde que cheguei. Se estivesse simplesmente de férias deveria estar a chorar baba e ranho por ter que regressar a Portugal. Mas não é o caso. Continuo na minha viagem por outro mundo, na convivência com outra cultura, mas com uma grande certeza: a de que somos irmãos. De sangue e de natureza.

Como chegar a Barra Grande

Tanto andei que o meu pé inchou. Tanta pimenta (piripiri) deliciosa que o meu estômago ardeu. Massa suave num cenário de surfistas de alma e corpo e historias de tubarões em disputa pelas ondas. O dia a dia baiano aqui passa pela rede, à qual já me habituei, na qual prefiro dormir para sentir o vento primaveril refrescante (numa temperatura de 30 graus) e fugir das muriçocas (melgas). As baianas adoram passar o dia a fazer comida: café da manhã, almoço, café da tarde... come-se cuscus que nada tem a ver com o cuscus oriental que conhecemos, este é uma espécie de bolo feito com farinha de trigo e que requer na sua preparação um utensílio especial no fogão que parece um funil. O resultado é curioso, mas engana-me porque aos meus olhos parece doce e no final, nada tem de doce. Aliás, este engano dos sentidos é comum por aqui. Já tenho comido coisas ao pequeno almoço com um aspecto delicioso ao ponto de fazer salivar por açúcar, e depois...nada de senti-lo. No outro dia de manhã comi bolo de cebola roxa, servido na pousadas das melgas. Ligeiramente adocicado e excelente com queijo! Acrescente-se o inhame, o arroz, o feijão, a carne seca, a farinha e as bananas, e está resumido um dia gastronômico na companhia de amigos baianos e com uma mãe esmerada na cozinha! Para variar, muita massa (macarrão) de vários sabores. Adoram! E eu, por sinal, também... Tudo isto é ingerido com entusiasmo por causa das caminhadas inevitáveis para se fazer seja o que for...e depois...uma maresia de ficar a dormir na rede...Se me sinto baiana depois de tudo isto? Se baiana rimar com alentejana, claro que sim!

Acordo de madrugada e vejo papagaios verdes (o despertador natural) e ouço micos e várias vidas que me transcendem. Aqui o elemento principal não sou eu. Aqui quem vive são todos estes seres a que me vou habituando, gritos de existência ensurdecedores. As corujas são 3, uma família, e todas as noites nos visitam. Pousam na cerca pássaros de cabeça vermelha. O gato, de nome Gil de Gilberto, traz sinais de luta – penas azuis da cor do céu. A rede transforma-se num observatório natural de pássaros. Um periquito à solta! Imagine-se!
Apesar de toda esta vida, a rua é uma das mais calmas de Barra Grande...a sua estrada de areia ferve durante o dia e na casa em frente há um grupo de músicos que ensaiam de vez em quando. Mais à frente, em direcção à vila, vive a Jô, naturalista que pratica yoga e que tem uma suíte para me alugar durante os próximos tempos. A música e o esoterismo e eu, juntos, na mesma rua. Lembro-me de ter dito a alguém que vinha em busca de algo parecido... Na verdade, Barra Grande é grande, e tem mais ruas para além desta... Mas foi aqui que vim parar. As energias convergem para aqui, tenho a sensação de que morri e que tudo o que quero está aqui nesta rua, basta ir de porta em porta...mas claro que isto é um sonho, um estado de ebriez natural com a vida que me permite ver e sentir as coisas assim.

Flor da pele

É reconfortante saber que temos a mesmíssima natureza. Somos irmãos, viajamos ao som e sabores. A certeza da viagem vem comigo desde a data da partida. Passado este tempo já começo a dormir melhor e a embriaguez da chegada ao desconhecido começa a desvanecer-se.. por vezes balanço entre a segurança e a incerteza, extasiante ou dilacerante, conforme. A chama que originou este fogo começa ficar estável e constante. Alimenta novas idéias. Gostava de tentar explicar a união que sinto aqui com a terra, as pessoas e a natureza, a minha e a dos outros que, por sinal é a mesma. É como sentar-me à noite na praia a ouvir o mar, soltar uma gargalhada, enterrar as mãos na areia – quanto mais fundo, mais quente, como se estivesse quase a atingir o magma da vida. Uma energia muito forte sobe pelos meus braços até se espalhar pelo corpo todo. E aí levanto-me ainda mais feliz e consciente, com uma sensação confortável de que sim, faço parte deste mundo, emano a energia que o move. Afinal tudo isto não é em vão... aliás, supera a mera confirmação de que sim, segue o teu instinto – receberás muito mais do que imaginavas alguma vez ser capaz de sentir.

Estou há 12 dias aqui, em casa de uma amiga, Mayana, a baiana que me adoptou...neste momento sinto-me em casa e muito bem acolhida. Fez o instinto que me aproximasse dela e na mesma noite dormisse aqui. Vim parar à Barra Grande...caí aqui de pára quedas e certeira. Ontem à noite foi a festa do Halloween no bar da praia Muvuca. Uma caminhada pela areia e o destino, umas luzes lá ao fundo por detrás de palmeiras e água do mar, as ondas quase a tocar nas mesas e cadeira de madeira. O local é mágico e isso se vê de longe. Dança-se ao som do groove brasileiro.

Comento que isto é demais... não pode ser real. Assim como o meu guia, que surge assim de repente, de uma química incrível, aos poucos vamos percebendo que ambos vagueamos, amamos e sentimos. Isto até assusta e todos os dias tento perceber o que significa. Na duvida inclino-me a pensar que é uma ilusão, mas boa. Saber partilhar momentos de silencio em que só há contemplação, sentir uma atracção superior e, mais incrível para mim, estar tão tranqüilo em relação a tudo... nada importa porque está tudo bem. Digas o que disseres, faças o que fizeres, tudo é paz e tranqüilidade que nunca senti antes. Indícios do guia que eu insistia dizer que existe? Qual o limite entre a fantasia e a verdade? Acho que não há limites quando estás neste estado de consciência... Assimilar isto, chegar à parte mais racional disto tudo e descer um pouco do sonho, em tão pouco tempo, deixa-me tonta. Tonta de prazer. Está na hora de afastar os medos e as desilusões. Está na hora de me dar e abrir ao mundo porque viver fechado, com medo e erguendo paredes protetoras é falacioso. Mais não é do que criar obstáculos a uma existência feliz.

Estou neste momento muito feliz.