Tuesday, November 01, 2005

Report @ Brasil

Já passaram mais de duas semanas desde que cheguei. Se estivesse simplesmente de férias deveria estar a chorar baba e ranho por ter que regressar a Portugal. Mas não é o caso. Continuo na minha viagem por outro mundo, na convivência com outra cultura, mas com uma grande certeza: a de que somos irmãos. De sangue e de natureza.

Como chegar a Barra Grande

Tanto andei que o meu pé inchou. Tanta pimenta (piripiri) deliciosa que o meu estômago ardeu. Massa suave num cenário de surfistas de alma e corpo e historias de tubarões em disputa pelas ondas. O dia a dia baiano aqui passa pela rede, à qual já me habituei, na qual prefiro dormir para sentir o vento primaveril refrescante (numa temperatura de 30 graus) e fugir das muriçocas (melgas). As baianas adoram passar o dia a fazer comida: café da manhã, almoço, café da tarde... come-se cuscus que nada tem a ver com o cuscus oriental que conhecemos, este é uma espécie de bolo feito com farinha de trigo e que requer na sua preparação um utensílio especial no fogão que parece um funil. O resultado é curioso, mas engana-me porque aos meus olhos parece doce e no final, nada tem de doce. Aliás, este engano dos sentidos é comum por aqui. Já tenho comido coisas ao pequeno almoço com um aspecto delicioso ao ponto de fazer salivar por açúcar, e depois...nada de senti-lo. No outro dia de manhã comi bolo de cebola roxa, servido na pousadas das melgas. Ligeiramente adocicado e excelente com queijo! Acrescente-se o inhame, o arroz, o feijão, a carne seca, a farinha e as bananas, e está resumido um dia gastronômico na companhia de amigos baianos e com uma mãe esmerada na cozinha! Para variar, muita massa (macarrão) de vários sabores. Adoram! E eu, por sinal, também... Tudo isto é ingerido com entusiasmo por causa das caminhadas inevitáveis para se fazer seja o que for...e depois...uma maresia de ficar a dormir na rede...Se me sinto baiana depois de tudo isto? Se baiana rimar com alentejana, claro que sim!

Acordo de madrugada e vejo papagaios verdes (o despertador natural) e ouço micos e várias vidas que me transcendem. Aqui o elemento principal não sou eu. Aqui quem vive são todos estes seres a que me vou habituando, gritos de existência ensurdecedores. As corujas são 3, uma família, e todas as noites nos visitam. Pousam na cerca pássaros de cabeça vermelha. O gato, de nome Gil de Gilberto, traz sinais de luta – penas azuis da cor do céu. A rede transforma-se num observatório natural de pássaros. Um periquito à solta! Imagine-se!
Apesar de toda esta vida, a rua é uma das mais calmas de Barra Grande...a sua estrada de areia ferve durante o dia e na casa em frente há um grupo de músicos que ensaiam de vez em quando. Mais à frente, em direcção à vila, vive a Jô, naturalista que pratica yoga e que tem uma suíte para me alugar durante os próximos tempos. A música e o esoterismo e eu, juntos, na mesma rua. Lembro-me de ter dito a alguém que vinha em busca de algo parecido... Na verdade, Barra Grande é grande, e tem mais ruas para além desta... Mas foi aqui que vim parar. As energias convergem para aqui, tenho a sensação de que morri e que tudo o que quero está aqui nesta rua, basta ir de porta em porta...mas claro que isto é um sonho, um estado de ebriez natural com a vida que me permite ver e sentir as coisas assim.

Flor da pele

É reconfortante saber que temos a mesmíssima natureza. Somos irmãos, viajamos ao som e sabores. A certeza da viagem vem comigo desde a data da partida. Passado este tempo já começo a dormir melhor e a embriaguez da chegada ao desconhecido começa a desvanecer-se.. por vezes balanço entre a segurança e a incerteza, extasiante ou dilacerante, conforme. A chama que originou este fogo começa ficar estável e constante. Alimenta novas idéias. Gostava de tentar explicar a união que sinto aqui com a terra, as pessoas e a natureza, a minha e a dos outros que, por sinal é a mesma. É como sentar-me à noite na praia a ouvir o mar, soltar uma gargalhada, enterrar as mãos na areia – quanto mais fundo, mais quente, como se estivesse quase a atingir o magma da vida. Uma energia muito forte sobe pelos meus braços até se espalhar pelo corpo todo. E aí levanto-me ainda mais feliz e consciente, com uma sensação confortável de que sim, faço parte deste mundo, emano a energia que o move. Afinal tudo isto não é em vão... aliás, supera a mera confirmação de que sim, segue o teu instinto – receberás muito mais do que imaginavas alguma vez ser capaz de sentir.

Estou há 12 dias aqui, em casa de uma amiga, Mayana, a baiana que me adoptou...neste momento sinto-me em casa e muito bem acolhida. Fez o instinto que me aproximasse dela e na mesma noite dormisse aqui. Vim parar à Barra Grande...caí aqui de pára quedas e certeira. Ontem à noite foi a festa do Halloween no bar da praia Muvuca. Uma caminhada pela areia e o destino, umas luzes lá ao fundo por detrás de palmeiras e água do mar, as ondas quase a tocar nas mesas e cadeira de madeira. O local é mágico e isso se vê de longe. Dança-se ao som do groove brasileiro.

Comento que isto é demais... não pode ser real. Assim como o meu guia, que surge assim de repente, de uma química incrível, aos poucos vamos percebendo que ambos vagueamos, amamos e sentimos. Isto até assusta e todos os dias tento perceber o que significa. Na duvida inclino-me a pensar que é uma ilusão, mas boa. Saber partilhar momentos de silencio em que só há contemplação, sentir uma atracção superior e, mais incrível para mim, estar tão tranqüilo em relação a tudo... nada importa porque está tudo bem. Digas o que disseres, faças o que fizeres, tudo é paz e tranqüilidade que nunca senti antes. Indícios do guia que eu insistia dizer que existe? Qual o limite entre a fantasia e a verdade? Acho que não há limites quando estás neste estado de consciência... Assimilar isto, chegar à parte mais racional disto tudo e descer um pouco do sonho, em tão pouco tempo, deixa-me tonta. Tonta de prazer. Está na hora de afastar os medos e as desilusões. Está na hora de me dar e abrir ao mundo porque viver fechado, com medo e erguendo paredes protetoras é falacioso. Mais não é do que criar obstáculos a uma existência feliz.

Estou neste momento muito feliz.

1 comment:

AnaNoMar said...

'Comento que isto é demais... não pode ser real. Assim como o meu guia, que surge assim de repente, de uma química incrível, aos poucos vamos percebendo que ambos vagueamos, amamos e sentimos.' .... ......sem saber na altura, referia-me ao amor da minha vida!! o meu marido... :D